Nosso amor é impuro como impura é a luz e a água e tudo quanto nasce e vive além do tempo.
Minhas pernas são água, as tuas são luz e dão a volta ao universo quando se enlaçam até se tornarem deserto e escuro. E eu sofro de te abraçar depois de te abraçar para não sofrer.
E toco-te para deixares de ter corpo e o meu corpo nasce quando se extingue no teu.
E respiro em ti para me sufocar e espreito em tua claridade para me cegar, meu Sol vertido em Lua, minha noite alvorecida.
Tu me bebes e eu me converto na tua sede. Meus lábios mordem, meus dentes beijam, minha pele te veste e ficas ainda mais despida.
Pudesse eu ser tu E em tua saudade ser a minha própria espera.
Mas eu deito-me em teu leito Quando apenas queria dormir em ti.
E sonho-te Quando ansiava ser um sonho teu.
E levito, voo de semente, para em mim mesmo te plantar menos que flor: simples perfume, lembrança de pétala sem chão onde tombar.
Teus olhos inundando os meus e a minha vida, já sem leito, vai galgando margens até tudo ser mar. Esse mar que só há depois do mar.
Mia Couto, in "idades cidades divindades"
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