17/06/2012

O Amor, Meu Amor

             

             Nosso amor é impuro como impura é a luz e a água e tudo quanto nasce e vive além do tempo. 


Minhas pernas são água, as tuas são luz e dão a volta ao universo quando se enlaçam até se tornarem deserto e escuro. E eu sofro de te abraçar depois de te abraçar para não sofrer. 


E toco-te para deixares de ter corpo e o meu corpo nasce quando se extingue no teu. 


E respiro em ti para me sufocar e espreito em tua claridade para me cegar, meu Sol vertido em Lua, minha noite alvorecida. 


Tu me bebes e eu me converto na tua sede. Meus lábios mordem, meus dentes beijam, minha pele te veste e ficas ainda mais despida. 


Pudesse eu ser tu E em tua saudade ser a minha própria espera. 


Mas eu deito-me em teu leito Quando apenas queria dormir em ti. 


E sonho-te Quando ansiava ser um sonho teu. 


E levito, voo de semente, para em mim mesmo te plantar menos que flor: simples perfume, lembrança de pétala sem chão onde tombar. 


Teus olhos inundando os meus e a minha vida, já sem leito, vai galgando margens até tudo ser mar. Esse mar que só há depois do mar. 


Mia Couto, in "idades cidades divindades"



                                                                           

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